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Nove sinfonias para os 250 anos de Beethoven

Este é o ano em que o mundo e a Europa, em particular, assinalam os 250 anos do nascimento de Ludwig van Beethoven. Pouca sorte a dele que, com a pandemia, viu a maioria dos concertos adiados ou transferidos para a internet. Não é por isso que será esquecido. Nem tal seria possível. Depois de Beethoven, a música não voltou a ser a mesma. Dedicamos-lhe estas palavras para lembrar que, apesar do temperamento difícil, ele é um génio da música que merece viver para sempre.

O menino prodígio sem infância

Beethoven tinha cinco anos quando o pai reparou no seu talento invulgar para a música. Pensando que poderia lucrar com isso, decidiu ser ele próprio a dar-lhe as primeiras lições de composição e piano. O filho era obrigado a estudar muitas horas seguidas, todos os dias, acabando o seu esforço por dar rápidos resultados.

Aos 7 anos, deu o primeiro concerto, aos 12 já compunha peças com títulos estranhos como «Canção para um bebé de peito» ou «Elegia pela morte de um poodle». Aos 13 era violoncelista na orquestra da corte e, pouco tempo depois, assumia o cargo de organista-assistente da capela de Bona, cidade do reino da Prússia, que hoje fica na Alemanha. Beethoven era ainda adolescente quando o pai, incapaz pelo alcoolismo, deixou de trabalhar, passando ele a dar aulas de viola para sustentar a família.

Aos 26 anos, quando fazia a primeira digressão por Berlim, Dresden e Budapeste, Beethoven sentiu os primeiros sintomas da surdez. Aos 48, já não ouvia nada. A perda da audição levou-o a abandonar os palcos, mas continuou a compor, recorrendo à sua extraordinária capacidade para executar mentalmente as notas musicais.

Beethoven fez de tudo para curar a doença, mas os médicos e a medicina, nessa altura, não sabiam como ajudá-lo. Há uma carta dele, datada de 21 de junho de 1801, e endereçada ao amigo e médico Franz Gerhard Wegeler, que relata bem os esforços para recuperar a audição e a angústia por nada resultar.


A fama de briguento, mal-humorado e antissocial persegue-o até aos dias de hoje. Muito do mau feitio deve-se à tristeza que sentia por estar a perder a audição, mas não explica nem justifica tudo. Segundo os relatos da época, Beethoven costumava resmungar sozinho pelas ruas e tinha inesperados acessos de fúria. Chegou a atirar ovos ao cozinheiro por não gostar da comida e, tantas vezes se desentendeu com os senhorios, que estava sempre a mudar de casa.

A história mais conhecida, no entanto, é a batalha judicial que travou com a cunhada para ficar com a guarda do sobrinho. Karl, com apenas 10 anos, foi morar com o tio, sendo obrigado a aprender piano contra a vontade e ainda impedido de ver a mãe.


O revolucionário incompreendido

Quase todos os géneros musicais nunca mais foram os mesmos depois de Beethoven. As primeiras obras seguiram uma linha convencional, mas ele depressa levou a música para territórios nunca explorados. As suas composições marcaram a fronteira entre as épocas clássica e romântica, acelerando a transição de uma para a outra. Antes dele, por exemplo, nenhum concerto para piano havia começado com o solo de piano.

Um dos atos mais rebeldes foi incluir também solistas vocais e um coro no movimento final da Nona sinfonia, um género até então unicamente instrumental. Mas nem sempre as suas inovações foram compreendidas. O famoso tchan-tchan-tchan-tchaaaan que abre a 5ª Sinfonia foi até motivo de risota, chegando a ser classificado pelos críticos como «ruído sem arte nenhuma».


Em busca da liberdade

Antes de Beethoven, os compositores trabalhavam para a Igreja, para a realeza ou para senhores nobres e ricos, compondo por encomenda. É o caso de muitos como Bach, Mozart ou Haydn, que, nem por isso, deixaram de produzir magníficas obras de arte. Beethoven, no entanto, ansiava por total liberdade criativa. Razão que o leva a deixar a corte, na cidade de Bona, e a mudar-se para Viena. Com 22 anos, torna-se o primeiro músico não assalariado a viver apenas da sua arte.


Entusiasmado pelos ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade da Revolução Francesa, Beethoven chegou a dedicar a Terceira sinfonia, opus 55, a Napoleão, que via como a figura mais capaz de acabar com o regime monárquico e instaurar a república. Quando, em 1804, o líder militar se fez coroar imperador da França, Beethoven ficou tão furioso que riscou com a ponta de uma faca o nome dele da folha de rosto partitura, passando a chamar a sinfonia de Eroica.




O legado para a ciência

Quase dois séculos depois da sua morte, os investigadores da Universidade Complutense de Madrid usaram a obra de Beethoven para descobrir como o cérebro cria conceitos abstratos, tais como uma árvore, uma mesa ou uma nota musical. Para observar o processo, os cientistas construíram uma rede neuronal que foi testada ao som da Nona Sinfonia. Os resultados, divulgados no início deste mês, mostraram que o mecanismo é bem mais simples do que se julgava e que, afinal, só um número muito reduzido de neurónios participa nesta orquestra cerebral.

O cortejo fúnebre

Por causa da surdez, Beethoven viveu os últimos anos isolado e esquecido pelo grande público até ao dia em que morreu, a 26 de março de 1827, possivelmente de cirrose hepática. O funeral, contudo, foi memorável, com a capital da Áustria paralisada para lhe prestar as honras negadas em vida.

No dia 29 de março, as escolas fecharam, a multidão saiu à rua e o cortejo atravessou as principais artérias de Viena antes de entrar na Igreja da rua Alserstrasse, onde 9 sacerdotes realizaram a cerimónia.

“A sua morte suscitou uma emoção da qual não se tem lembrança… De vinte a trinta mil pessoas acompanharam o funeral. Os compositores mais ilustres, entre os quais Franz Schubert, estavam ao lado da sua urna”, contou dias mais tarde Nikolaus Zmeskal, o fiel amigo de Beethoven, numa carta endereçada a uma outra amiga do compositor, Therese von Brunsvik.


A maldição da Nona

Beethoven deixou ao todo 240 obras, entre as quais 9 sinfonias. É um número pequeno diante das cerca de 60 de Mozart ou de mais de uma centena de Joseph Haydn. Nenhuma grande orquestra, porém, passa sem elas na hora de apresentar o repertório da temporada. A influência das sinfonias de Beethoven não só marcou, como intimidou as gerações seguintes.

Johannes Brahms, por exemplo, já tinha 40 anos, quando ganhou coragem para fazer a primeira tentativa no género musical. O próprio número 9 ganhou uma grande mística depois de Beethoven. Sinfonistas como Anton Bruckner e Gustav Mahler passaram os últimos anos obcecados pela impossibilidade de concluir uma 10º sinfonia, temendo as consequências de uma terrível maldição.

Quando escreveu a Nona e última sinfonia, Beethoven já estava completamente surdo. Ainda assim, decidiu, ao fim de 12 anos de ausência, regressar aos palcos para, no dia 7 de maio de 1824, dirigir, juntamente com Michael Umlauf, a orquestra. O Kärntnertortheater esteve nesse dia lotado, mas o compositor não conseguiu ouvir os músicos nem a grande ovação da plateia no final.

A Nova sinfonia é especialmente famosa pelo seu último movimento, que junta solistas e um coro para interpretar os versos da Ode à Alegria de Friedrich Schiller. Por representar os valores do humanismo, a sua versão instrumental é, desde 1985, o hino oficial da União Europeia.




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