E com o Carnaval quase a chegar, não pude deixar de partilhar convosco a história de uma artista cujas obras em muito se poderiam assemelhar à magia do fantástico escondido por detrás de cada disfarce.
Falo-vos de Rosa Ramalho.
Ficha biográfica
Nome completo: Rosa Barbosa Lopes (ficou conhecida por Rosa Ramalho por ser assim tratada pela família, mas só aos 82 anos, quando tirou o Bilhete de Identidade no Registo Civil, descobriu o seu nome oficial). Alcunha: Ti Rosa Nasceu em: São Martinho de Galegos (concelho de Barcelos) a 14 de agosto de 1888. Morreu em: São Martinho de Galegos, a 24 de setembro de 1977, com 89 anos.
Nascida numa aldeia do norte, Rosa Ramalho só ficou internacionalmente conhecida perto dos 70 anos. Poderíamos lamentar o desperdício de tempo. Mas, muito melhor é lembrar as centenas de peças de barro que ela moldou até quase aos 90 anos. Não eram perfeitas, tinham caras que pareciam marcianos, línguas de fora, olhos desorbitados ou patas a quadruplicar. Querem saber de onde vinha a imaginação desbravada dela?
Esta é a história que começa com uma criança, nascida a 14 de agosto de 1888, numa aldeia de Barcelos com o nome de São Martinho de Galegos. Ela nunca foi à escola, nunca teve livros, nem sequer brinquedos. Rosa Ramalho, filha de um sapateiro e de uma tecedeira, passou a infância a cuidar das hortas, das cabras, dos porcos e das galinhas. Ainda assim, aproveitou todas as oportunidades para brincar.
Os dias de chuva eram os preferidos dela. Costumava agarrar na terra molhada dos campos e moldá-la, como hoje fazem os miúdos com a plasticina colorida. Com as mãos enterradas no barro, tirou de lá cãezinhos, burrinhos ou outros seres esquisitos com cabeças grandes, narizes pencudos e bocas desdentadas.
Rosa Ramalho cresceu e, sempre que pôde, continuou a trabalhar o barro, dando vida a criaturas que escapavam da sua imaginação, mas também de tudo o que lhe despertava curiosidade na aldeia. Dos sermões do padre, nas missas de domingo, vieram os anjinhos e os demónios com os olhos desorbitados, nariz torto ou chifres na testa.
Das procissões religiosas e das romarias da aldeia chegaram os santinhos, a Nossa Senhora e o Cristo modelados como se tivessem sido desenhados por crianças. Dos campos e pastagens chegaram as vacas, os bois ou os galos com corninhos, focinhos, cristas ou orelhas a sobressaírem do resto do corpo.
Entre tantos afazeres, nunca lhe sobrou muito tempo para se dedicar a essas figurinhas que viviam na cabeça dela. E, quando se casou, aos 18 anos com António Mota, com menos tempo ficou. O marido, oleiro da aldeia, passava o dia a tirar da roda pratos, tijelas, cântaros ou travessas de barro. Rosa ficava à volta do forno a cozer a loiça, na horta, na cozinha e a cuidar dos sete filhos que tiveram.
Se bem que, de vez em quando, foi regressando ao barro, só mesmo para matar saudades ou, então, se calhar, para se certificar que as figurinhas não se esqueciam dela. O tempo passou, os filhos cresceram, estudaram, casaram e tiveram os seus filhos.
E Rosa enviuvou. Foi nesse momento que os santinhos, as vaquinhas e as cabrinhas chamaram por ela. Passaram-se, entretanto, 50 anos, e já não havia nenhum pretexto para ela não ir ter com a bonecada da infância.
Foi o pintor António Quadros que um dia descobriu Rosa numa feira e levou as figuras dela para Lisboa.
A arte de Rosa foi viajando por outras terras ali à volta. Um dia, António Quadros – pintor e poeta muito conhecido nessa época – passou pela banca dela na feira das Fontaínhas, no Porto. De lá não conseguiu mais sair.
Rosa estava nas bocas do país e também do estrangeiro, recebendo na sua oficina comitivas de estudantes de Belas Artes e de muitos outros artistas a perguntar tudo sobre a arte e a vida dela.
Por essa altura, até o Presidente da República, o almirante Américo Tomaz, quis conhecê-la. Lá foi Rosa para Lisboa. Arrumou as suas figurinhas de barro na mala de viagem e partiu para a capital, para receber a medalha «As Artes ao Serviço da Nação».
Rosa continuou a trabalhar praticamente até ao dia em que morreu, a 24 de setembro de 1977. Quatro anos mais tarde, foi o então
Presidente Ramalho Eanes a reconhecer o trabalho dela com o grau de Dama da Ordem de Sant’Iago da Espada.
Para terminar gostaria de vos deixar uma história
tradicional portuguesa: "O príncipe com Orelhas de Burro".
Esta história tem uma personagem que podería muito bem ser uma das esculturas de Rosa Ramalho.
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